Sindicatos, associações de professores e de pais reagem ao anúncio de novos cortes na Educação. Nuno Crato diz que “ainda é cedo” para apontar medidas. A comunidade educativa desespera, enquanto espera.
“Ainda é cedo” para falar nas medidas a tomar pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) para reduzir os gastos na Educação, assegurou ontem Nuno Crato à imprensa no final de uma visita a uma escola em Lisboa. Mas para o ministro da Educação, “é evidente que a decisão do Tribunal Constitucional (TC) muda muitas coisas”. Desde logo, cria uma falha de 1.3 mil milhões de euros no Orçamento de Estado. Sendo que tal “hiato”, diz Nuno Crato, origina de imediato a necessidade de “evitar uma série de gastos”. Na incerteza de como o MEC vai reduzir a despesa no setor, o EDUCARE.PT antecipa as reações dos protagonistas da comunidade educativa.
O discurso do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, não surpreendeu Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (FENPROF): “Os cortes anunciados são os que o governo já pretendia fazer, talvez agora de forma mais acelerada e profunda.” Para Nogueira, “fica claro que o acórdão do TC que deveria levar o Governo a mudar de políticas é, para este, um pretexto para as continuar, insinuando que nem seria essa a sua vontade, mas era!”, realça.
Reduzir: em quê?
Nas entrelinhas da redução de custos na Educação, o secretário-geral da FENPROF lê o “natural” despedimento de “muitos mais” professores contratados, a partir de setembro; a aplicação da mobilidade especial “já em grande força”; a utilização no setor da prática de “despedimentos ditos por mútuo acordo”, bem como cortes salariais.
Além destas medidas, que afetam diretamente os docentes, Mário Nogueira está certo de que a política ministerial, tão criticada pela FENPROF, será intensificada: “Mais e maiores mega-agrupamentos, novas mexidas curriculares que irão empobrecer o ensino, mexidas nos horários, aumento de alunos por turma, privatização direta ou por via da concessão a privados, transferências acrescidas para os municípios…” Uma lista de agravamentos que, segundo Nogueira, inclui “tudo o que faz mal ao ensino” e que “provocará uma doença ainda maior ao sistema educativo”.
“Qualquer destas opções enfraquecerá a qualidade de ensino”, garante José Alberto Rodrigues, presidente da Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica (APEVT), que representa um dos grupos disciplinares mais afetados com a recente reforma curricular que veio dividir em duas a disciplina de Educação Visual e Tecnológica. Para este professor, não restam dúvidas de que “em Educação foi já tudo espremido a um limite extremo”. Mais cortes e o resultado é a “falência completa” do sistema educativo, avisa Alberto Rodrigues. “Daqui a 10, 20 ou 30 anos, estaremos a analisar as consequências do que irão fazer agora”, vaticina.
Insistir na receita
Manuela Mendonça, coordenadora do Sindicato dos Professores do Norte (SPN), a organização sindical com maior número de associados do país, lamenta que o Governo “insista na mesma receita”. E lembra: “Recentemente, o Banco de Portugal alertou para o impacto negativo na recuperação da economia de eventuais novos cortes na despesa, que pudessem seguir-se à decisão do TC, estimando que um corte 2500 milhões de euros em postos de trabalho, salários e pensões da função pública levaria à estagnação da economia portuguesa.”
Responsabilizar o TC pelo agravamento da situação do país e pela imposição de medidas já previstas foi um ato que a coordenadora do SPN classifica de “lamentável” por parte do Governo, agravado pela “facilidade com que se anunciam novos cortes na Educação, ao mesmo tempo que deixa mais uma vez de fora as rendas nos sectores protegidos, como a energia, ou as parcerias público-privadas”.
Habituados a sofrer na pele os sucessivos cortes no corpo docente, os professores contratados antecipam um agravar da situação vivida nos estabelecimentos de ensino. “Teremos uma escola a meio gás e com docentes assoberbados de trabalho, muitos deles com mais de 200 ou 300 alunos”, prevê César Israel Paulo, presidente da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC).
Desde a sua criação, em 2012, a ANVPC tem como principal luta a vinculação por acumulação de contratos, tendo conseguido da parte do MEC a realização de um concurso extraordinário que, no entanto, ficou aquém das suas exigências. Agora Israel Paulo teme que, no próximo ano letivo, os contratos de docentes com mais de 15 anos de serviço possam estar em causa devido aos sucessivos cortes. Perante este cenário, o presidente da ANVPC só tem uma conclusão: “O desinvestimento em educação, por parte deste Governo, é já uma verdadeira bandeira desta equipa ministerial, dificilmente comparável com outros momentos da História nacional.”
Obrigatório e gratuito
Há quem já se aventure a imaginar turmas de 50 alunos, à semelhança do que acontece em países como a China. Mais credíveis são cenários que contemplem o aumento das horas de trabalho dos professores ou a redução da carga horária a algumas disciplinas. Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), não entra em especulações: “O mais adequado é esperar pelas propostas em concreto, se as houver.”
Enquanto a comunidade educativa fica a aguardar mais desenvolvimento, o presidente da CONFAP deixa apenas uma advertência aos decisores políticos: “Convém relembrar que a Constituição da República (CR) define claramente que o ensino à medida que se torna obrigatório é progressivamente gratuito!”
A privatização do ensino e, como sua consequência, o fim da sua gratuitidade foi outra das leituras que as organizações sindicais fizeram nas entrelinhas do discurso que Pedro Passos Coelho proferiu no domingo, tal como EDUCARE.PT ontem destacou no artigo Será o fim do ensino gratuito? Neste ponto, Mário Nogueira partilha a única certeza, também ela bastante, constitucional do representante dos pais: “A Constituição da República faz uma opção clara pela [defesa] escola pública e da qualidade do ensino.”