“Este sangue novo, estes indivíduos geneticamente preparados para a incerteza do mundo e do mercado laboral, vêm desenvolvendo um papel essencial numa escola pública, que, cada vez mais, deve ser capaz de preparar um público para a indecisão do futuro e para a excelência do conhecimento.”
Muitos dos portugueses e portuguesas, escutam, ano após ano, na comunicação social os problemas dos professores contratados (a termo) do Ensino Público português, embora, muitos deles, não entendam a profundidade das dinâmicas associadas a esta problemática. Passarei, rapidamente, a explanar algumas delas.
A escola pública portuguesa, como serviço público de educação, tem contratado, ano após ano, dezenas de milhares de professores contratados . Estes indivíduos têm sido o deleito de centenas de diretores de escolas e agrupamentos, uma vez que se trata de um corpo docente altamente qualificado, dinâmico e muito disponível para o desenvolvimento de projetos, quer em período de trabalho, quer mesmo fora dele (noites, fins de semana, interrupções letivas, etc.) Vejamos ainda que se trata de um grupo de professores que vem também construindo uma excelente e salutar relação com os seus alunos, de onde advêm relações pedagógicas fortalecidas e um incremento suplementar no processo de ensino/aprendizagem. Atente-se ainda que este grupo de professores foi já apelidado pela tutela como o verdadeiro exemplo de mobilidade na função pública, já que vêm ocupando milhares de lugares, quer nos mais recônditos locais do território nacional e regiões autónomas, assim como horários com um pequeno número de horas, sujeitos e condicionalismos laborais a que poucos indivíduos, e classes, estariam sujeitos. Este sangue novo, estes indivíduos geneticamente preparados para a incerteza do mundo e do mercado laboral, vêm assim desenvolvendo um papel essencial numa escola pública, que, cada vez mais, deve ser capaz de preparar um público para a indecisão do futuro, para a excelência do conhecimento, e para a humildade de que um indivíduo se deverá ver impregnado, para aceitar a sua insignificância num vasto campo do conhecimento sem limite.
Nessa medida, o despedimento massivo de professores contratados, verificado no ano transato, foi uma dura facada à qualidade do sistema educativo português. A dispensa de mais de 15 000 docentes contratados deixou as escolas vazias dessa jovialidade, que por si só incendiava mesmo os corpos mais maduros, e dava uma luz especial a muitos projetos.
Denote-se, no entanto, que o Governo de Portugal, que dia após dia tem aplicado machadadas violentas aos mais basilares pilares de uma educação democrática, parece ainda não satisfeito com a dispensa referida, com esse verdadeiro massacre educativo e profissional. Segundo as mais recentes notícias parece preparar-se para mais um genocídio de professores contratados, sem quaisquer remorsos, sem qualquer complacência, retirando à escola pública profissionais dedicados e que sempre cumpriram com rigor e altruísmo o seu serviço (muitos deles em contratos sucessivos, precários, há mais de 10, 15 ou 20 anos) e violando diretivas internacionais de direito à estabilidade laboral. Caso tal redução extraordinária venha, de novo, a verificar-se, estaremos diante de mais um momento de delapidação do serviço público de educação, um serviço público que nos últimos anos dispensou mais de 30 000 docentes, um serviço que ano após ano vem sofrendo cortes massivos, diminuindo a sua qualidade. Que modelo de escola teremos para os nossos filhos, para os nossos netos…?
No meio desta panóplia de movimentos e sentimentos, o que têm feito os sindicatos de professores pelos docentes contratados, nomeadamente, nos últimos anos? Sim, especificamente pelos professores contratados? Que ideias veiculam sobre a precariedade destes profissionais, que propostas apresentam para a resolução dos seus problemas e o que defendem sobre o seu futuro na escola pública portuguesa? E, vice-versa, que apoio vêm dando este grupo de professores às suas estruturas sindicais? Em que momento, lado a lado, têm travado a luta em defesa dos seus postos de trabalho e da qualidade do serviço público de educação?
Pois, da análise destas condicionantes, avizinha-se, quanto a mim, um verdadeiro problema – o da própria sustentabilidade destas organizações sindicais, a sua sobrevivência futura. Passo a explicar.
Ao não se reverem nas ações das suas estruturas sindicais, que na negociação dos últimos normativos legais “suspenderam” o modelo de equidade na classe (nomeadamente nos pontos normativos do concurso interno, decorrentes do concurso de vinculação extraordinária, remetendo este grupo de docentes para uma última prioridade concursal) não se associam a estas organizações, não pagam as suas quotas, não participam nas suas atividades. Nessa medida, grande parte destas estruturas sindicais sobrevivem certamente com a quotização dos docentes do quadro (contratados sem termo) e de alguns reformados.
No campo de ação sindical também é verdade que os professores contratados têm aderido muito pouco às ações desenvolvidas pelos seus sindicatos, não demonstrando, salvo raras exceções, proatividade dentro destas estruturas, quando lhes é permitida a entrada para os corpos sociais das mesmas.
Nessa medida, e apesar de inicialmente os professores contratados serem considerados o elo mais fraco de todo o sistema educativo, a sua continuidade laboral é crucial para a qualidade do mesmo, para a dinâmica do mesmo, e para a própria imagem refrescada do mesmo. Ostracizar os professores contratados é ostracizar a escola pública e os portugueses. Ao não desenvolverem ações de luta específicas em prol dos problemas dos professores contratados, os sindicatos e federações de educação estarão a promover a sua morte lenta, em banho-maria. Deixar cair ações de luta transversais a todos os professores portugueses, quando apenas interesses de parte da classe poderão vir a ser negociados, seria uma machadada final na legitimação e dignificação das estruturas sindicais junto dos professores contratados …
É tempo de todos refletirem sobre estas questões: federações, sindicatos, professores, Ministério da Educação e Ciência, e, acima de tudo, todos os portugueses.