O balanço tem dois pratos. Inglês no 3.º ano, colocação de assistentes operacionais, portal Infoescolas, coadjuvação no 1.º ciclo, mais psicólogos, escolas com melhores condições, estão no lado positivo. Turmas com mais alunos, prova de avaliação para professores contratados, exames nacionais nos primeiros níveis de ensino, processo de municipalização, cortes no investimento, mais mega-agrupamentos, surgem no prato negativo.
Quatro anos de Nuno Crato, quatro anos de alterações no sistema educativo. O ministro da Educação estará de saída do Governo e já afirmou publicamente que o fará de consciência tranquila. Com eleições à porta, é tempo de balanço. O EDUCARE.PT destaca o que mudou nas escolas, nos procedimentos, no dia a dia de alunos e professores, e recolhe opiniões de quem segue de perto os passos dados nesta área. Há críticas e elogios. Os aspetos negativos pesam mais nesta balança.
O que mudou nestes quatro anos? Os professores contratados com menos de cinco anos de serviço têm uma prova de avaliação de conhecimentos e capacidades que condiciona o seu acesso à carreira. Os alunos do 4.º e 6.º anos de escolaridade têm exames nacionais de Matemática e Português que contam para nota. Há novos programas e novas metas curriculares. As disciplinas mais direcionadas para a cidadania, como Formação Cívica, Estudo Acompanhado e Área de Projeto, desapareceram dos horários. E a carga letiva de outras matérias consideradas estruturantes como Português e Matemática foi reforçada.
Os exames de Inglês obrigatórios para os alunos do 9.º ano surgiram no calendário escolar e o Inglês passou a ser uma disciplina curricular a partir do 3.º ano de escolaridade, ganhando peso no 1.º ciclo. Em 2014, Nuno Crato lançou o portal Infoescolas que dá acesso a informação estatística do sistema de ensino, bem como ao percurso individual de cada aluno, entre outros dados. Criou os cursos vocacionais para alunos a partir dos 13 anos que tenham chumbado duas vezes no mesmo ciclo de escolaridade. Um sistema que chegou às escolas públicas no ano letivo de 2012/2013 com uma experiência-piloto que envolveu 13 escolas e 280 alunos. No ano letivo passado, cerca de 25 mil alunos frequentavam estes cursos.
O ministro da Educação também mexeu no acesso à profissão docente. Aumentou a duração dos cursos de Educação Básica e quem se candidatar a essas formações, em 2017/2018, terá Português e Matemática como provas de ingresso. Os números mostram uma diminuição do número de professores nas escolas e uma enorme redução de investimento que a Educação perdeu ao longo dos últimos quatro anos. Contas feitas, menos 1,73 mil milhões de euros, ou seja, 23,9% da verba disponível em 2010.
Há menos professores nas escolas. Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), sabe disso e não tem dúvidas de que as alterações no sistema de ensino terão impacto na vida de alunos e professores. Vê estudantes preocupados em estudar para as provas de avaliação e “professores mais tristes, mais desvalorizados, mais cansados, sempre preocupados com os seus alunos, mas sem saberem o que mudará amanhã na Educação”.
A presidente da ANP destaca, em primeiro lugar, as medidas positivas que Nuno Crato e a sua equipa protagonizaram em quatro anos de mandato. Desse lado, coloca a correção de erros detetados em anos anteriores, que permitiu que os concursos de docentes decorressem atempadamente e que este ano letivo tenha começado de forma tranquila; a obrigatoriedade do Inglês no 3.º ano de escolaridade; a coadjuvação no 1.º ciclo do Ensino Básico; a recente colocação de assistentes operacionais nas escolas; e a recente organização curricular que, na sua opinião, “permitiu uma gestão mais organizada dos currículos”. O ensino vocacional e profissional também fica na parte positiva. “Mas aqui, ainda há um ‘mas’, na medida que ainda está em fase experimental. Teremos que fazer uma avaliação para verificarmos se o modelo implementado se ajusta ao nosso país.”
O lado negativo tem mais itens, mais observações. A ANP sempre contestou a prova de avaliação dos professores contratados, não considera uma boa medida do atual Ministério, e continua a defender a sua eliminação. O aumento do número de alunos por turma, o processo de municipalização sem envolver os professores – “um processo que começou pelo telhado, quando deveria ter o seu início a partir da base envolvendo professores e estruturas representativas da educação” -, a alteração do horário dos docentes do 1.º ciclo e a não contagem como tempo letivo a vigilância e acompanhamento dos alunos nos recreios, e ainda os conteúdos que deixaram de ser prioritários na Educação Sexual, estão na parte negativa.
As provas finais de avaliação nos 1.º e 2.º ciclos não são bem-vindas. Não deviam existir. A ANP defende que a “avaliação contínua e a avaliação formativa são muito mais relevantes e importantes num processo de ensino-aprendizagem e de construção de conhecimento, do que qualquer tipo de prova final de avaliação”. “A definição de metas curriculares demasiado extensivas e exigentes não beneficia o processo de aprendizagem, na medida em que não há uma correspondência lógica entre a idade cronológica dos alunos e os conteúdos a trabalhar e aprender”, refere Paula Carqueja. “A avaliação dos alunos passa pelo cumprimento de todas as metas curriculares estipuladas em cada disciplina, como de uma check list se tratasse, condicionando a transição do aluno”, acrescenta. A alteração curricular no ensino tecnológico, artístico, educação visual, educação musical, a diminuição de verbas, ou seja, tudo o que diga respeito às artes e à cultura dos alunos é, em seu entender, “por de mais penalizante e terá repercussões futuras”.
A “dança legislativa”
Para César Israel Paulo, presidente da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC), o mandato de Nuno Crato deixa marcas profundas na educação pública portuguesa. Na sua opinião, houve um “retrocesso de tal ordem que demorará muito tempo até que o sistema possa recuperar das alterações por si levadas a cabo e pela sua equipa técnica e política”. “Nuno Crato é, sem sombra de dúvida, um homem de imagem afável, mas que deixa a Educação num estado verdadeiramente complexo, desregulado, e com uma imagem de parente pobre junto da sociedade”, comenta.
É um ministro que, em seu entender, pouco promoveu o debate sobre as pastas que tutelou, que não proporcinou o esperado avanço na qualidade do sistema público de Educação, que aumentou as desigualdades na sua regulação aos mais variados níveis, que reduziu o orçamento do seu Ministério. “Foi, sem dúvida, um dos ministros que ao longo do seu mandato mais perderam a confiança dos portugueses, nomeadamente dos professores, dos pais e encarregados de educação, assim como dos próprios estudantes”.
O presidente da ANVPC recorda as alterações legislativas que afastaram dezenas de milhares de professores das escolas, na sua maioria contratados, e uma reforma curricular que não aumentou a qualidade do sistema e que incrementou a dispersão disciplinar. “Veja-se que apesar de deixar a marca positiva da vinculação aos quadros de cerca de 4000 docentes contratados, fê-lo através de normativos que aprofundaram desigualdades e injustiças no acesso à profissão e cujos impactos perversos (diretos e colaterais) dificilmente algum dia serão reparáveis”, recorda. E as metas curriculares colocadas em marcha, sublinha, “levantaram alvoroço na esmagadora maioria das associações profissionais e científicas, e nos professores, tal é, muitas das vezes, a sua desarmonia com os programas das disciplinas e a sua inadaptação às exigências contemporâneas”.
A colocação de professores merece-lhe naturalmente algumas observações. “Apesar de ter elegido a administração educativa como um dos seus principais eixos de ação, promoveu um total desajustamento no sistema, nomeadamente no de colocações de professores, que só poderá ser definitivamente resolvido com o fim desta modalidade de concurso de Bolsa de Contratação de Escola, e com a criação de um modelo estável e duradouro, que resolva os principais problemas dos professores e das escolas”. César Israel Paulo diz que o país necessita de uma equipa ministerial que “acarinhe e respeite a educação” e que promova “uma obrigatória estabilidade no sistema, garantindo a reconquista da confiança dos alunos, dos professores, dos pais e encarregados de educação, dos assistentes técnicos e operacionais, e de todos os restantes elementos das comunidades educativas”. “Urge, sem dúvida, reformar para estabilizar, uma vez que o sistema não mais aguenta a ‘dança legislativa’ de que foi alvo”, remata.
Investimento e não despesa
Filinto Lima, vice-presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) e diretor do Agrupamento de Escolas Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, reconhece que Nuno Crato foi ministro numa altura complicada, com a chegada da troika ao país. A Educação acabou por ser sacrificada e, na sua opinião, o Ministério das Finanças desprezou esta área estruturante e importante para o futuro de todos. “Viu quase sempre nos gastos com a Educação uma despesa, não percebendo que se tratava de um investimento”. “Isso prejudicou a ação do Ministério que, aliado ao facto de ser independente e não pertencer ao aparelho, em nada o ajudou nas ideias que, julgo, tinha para a área que abraçou.”
Do lado negativo, Filinto Lima coloca o aumento do número de alunos por turma, a criação de mega-agrupamentos, uma autonomia que não saiu do papel nem da retórica dos discursos, a diminuição da verba disponível para a Educação que, desde 2010, perdeu 23,9%. “Ou seja, os cortes passaram o músculo, chegando mesmo ao osso!” No calendário escolar, há vários reparos. Aulas que este ano começaram mais tarde, quando as escolas privadas começaram cerca de duas semanas antes. Provas finais do 4.º e 6.º anos que se realizam em dois dias de aulas do 3.º período, “impedindo as escolas onde se realizam, normalmente as escolas EB2,3, de disponibilizarem salas para esses dias aos alunos que normalmente as ocupam, tendo que ficar em casa”. “Tirando este ano, o MEC não deu grandes ouvidos ao ‘povo’ (diretores, professores…)”, acrescenta.
Nos factos positivos, estão várias mexidas como a introdução do Inglês no 3.º e 4.º anos de escolaridade, a atribuição às escolas de 2822 contratos para assistentes operacionais, o aumento do número de psicólogos e outros técnicos nas escolas, “embora ainda distante do rácio da União Europeia”, e a atribuição de alguma autonomia curricular para as escolas com contrato de autonomia e TEIP.
Balanço feito, Crato não se sai muito bem na fotografia. “Julgo que Crato foi uma enorme desilusão para muitos professores – criaram enormes expectativas, tendo em conta as suas posições na televisão, os seus livros… – que aplaudiram a sua entrada no MEC, com grande expectativa e esperança. A sua ação, condicionada pelas circunstâncias que já referi, teve muito por base aspetos economicistas que, não devendo ser desprezados, não deveriam merecer tanta importância de quem manda, uma importância muitas vezes cega de um Ministério das Finanças, essencialmente, que desprezou e maltratou a área mais importante de todas: a Educação”, conclui.
Escolas com melhores condições
A Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) vê melhorias no sistema educativo nas últimas décadas. Escolas com melhores condições, acesso para todos, Inglês no 1.º ciclo, escolaridade até aos 18 anos, mais jovens nas universidades e com melhores habilitações. Falta, no entanto, evoluir no método pedagógico de forma a envolver mais crianças e jovens. “O que se tem feito nos últimos anos pouco altera esta situação”, observa Jorge Ascenção, presidente da CONFAP. “Evoluiu-se de forma tímida e confusa na autonomia das escolas que, em alguns casos, até gerou receio nos diretores escolares”, comenta.
Os pais querem que o serviço público evolua. “Os resultados não evidenciam melhoria significativa, a escola não está mais integrativa (sendo global), o abandono e o absentismo evoluíram pouco e transferiram-se para dentro dos espaços escolares, não se apercebe a intervenção precoce, ao nível do pré-escolar e do 1.º ciclo, ainda que algumas situações sejam sinalizadas, as famílias sentem mais dificuldades para garantir aos seus filhos as condições de recursos essenciais ao estudo, mesmo no âmbito da educação especial”, refere o responsável.
A oferta educativa não responde, em muitos casos, às expectativas das famílias. A autonomia das escolas está, em grande medida, condicionada. A substituição de professores ainda é um processo que demora e quando a colocação de docentes se atrasa há alunos que ficam sem atividade letiva. E a aposta na formação de alunos tem vindo a diminuir. “Mais do que fazer ‘remendos’ é necessário reformar verdadeiramente o sistema educativo português. Mas só valerá a pena reformar se formos capazes de alcançar um compromisso político de longo prazo, que permita a sustentabilidade das políticas educativas e a estabilidade do processo a desenvolver.”
A CONFAP insiste na reanálise do atual modelo de gestão das escolas, no debate de um modelo focado na qualidade pedagógica e em que as famílias tenham um papel mais interventivo. “É preciso proporcionar respostas sociais e laborais adequadas de apoio à família para apoiar e incentivar os jovens na constituição de família e consequente combate ao decréscimo da natalidade.”
É preciso dignificar e honrar a profissão de docente, pela sua formação e condição de profissão. “Também ao nível da avaliação não fomos capazes de evoluir de uma cultura da nota e da segregação para uma cultura de certificação e de melhoria dos processos de aprendizagem. Uma avaliação que antes de ser corretiva seja essencialmente preventiva”, avisa Jorge Ascenção. É igualmente necessário repensar o modelo de acesso ao Ensino Superior que, para a CONFAP, “apresenta-se como um fator de constrangimento à saudável aquisição de conhecimento e ao desejável desenvolvimento social dos jovens”. “As escolas estão, hoje, muito condicionadas pela necessidade de obter um resultado escolar quantitativo.”
As mudanças acontecem, a comunidade educativa tem de se adaptar. É importante refletir sobre a situação presente, aprender com o erro, duvidar de algumas certezas, e pensar em propostas para políticas educativas mais centradas nos interesses das crianças e dos jovens. “Alteram-se metas e programas, mudam-se currículos e criam-se novos cursos profissionais, fazem-se ajustes no plano do ano letivo, sem deixar que as escolas e a Educação atinjam uma necessária estabilidade”. “O país exige vontade política e coragem de decisão para uma verdadeira reforma que faça emergir a escola para o século XXI e promova um novo paradigma da Educação”, defende o responsável.
A CONFAP tem vindo a defender a igualdade de oportunidades para todos e, por isso, chama a atenção para a falta de apoio nos transportes e para a necessidade do reforço alimentar durante as pausas letivas. Defende um currículo escolar e educativo que contribua para o desenvolvimento integral do indivíduo. “Estagnámos, se não regredimos, no percurso de uma escola integrativa, pela ausência das expressões nos currículos e dos meios de recursos que possibilitem às escolas um trabalho de acordo com os ritmos de aprendizagem de cada um. Piorámos a qualidade das Atividades de Enriquecimento Curricular.”
“Alcançámos uma escola para todos, mas ainda estamos longe de uma escola de todos”. Jorge Ascenção sustenta que o combate ao insucesso, ao absentismo e ao abandono tem de evoluir e ser mais eficaz. Na sua opinião, é necessário debater uma alteração de paradigma que permita e exija às famílias o acompanhamento dos seus filhos até à idade da adolescência, inclusive, e que se reforce a política de cooperação entre as escolas e os Centros de Atividades Ocupacionais (CAO), dirigidos a jovens com deficiência a partir dos 16 anos.
Fonte: http://www.educare.pt/paginasespeciais/legislativas2015/noticias/pecanunocratobalanco1/detailpecanunocratobalanco1/