

Nuno Crato e a implosão definitiva da Excelência
Casanova de Almeida, Secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar, indicou, recentemente, o início de um “verdadeiro sistema de requalificação profissional” dos docentes portugueses, com vista à obtenção de habilitação profissional para o exercício de funções num outro grupo de disciplinas (menos flagelado pela falta de componente letiva). Estamos, sem sombra de dúvida, diante um “vale tudo” na Educação Pública, uma destruição interessada da sua qualidade e estabilidade, uma implosão definitiva da Excelência (palavra tão repetida pela tutela, mas que todos já entenderam que não regula, de forma alguma, os seus limites reais de ação).
Este processo poderá vir a ser o mais pernicioso de todos os mecanismos de formação de professores já operacionalizados, colocando em causa, de uma só vez, a cientificidade de cada área disciplinar e a legitimidade das formações universitárias realizadas. Poderá vir ainda a potenciar uma total distorção na lecionação de conteúdos e programas das disciplinas, e verdadeiras cisões na classe docente. Destaco ainda um dos limites mais perversos e preocupantes: a diminuição drástica da qualidade da formação dos nossos alunos e a desigualdade de tratamento dos mesmos (já que uns poderão ter diante si professores preparados e experientes, e outros terão docentes menos preparados e inexperientes nesses níveis de ensino e disciplinas).
Realizando uma reflexão em torno deste modelo de requalificação, levantam-se muitas questões essenciais. Destaco as seguintes: Quem avaliará os planos curriculares dos cursos superiores que atribuíram a habilitação inicial ao docente, e estudará as caraterísticas desta nova formação, verificando os limites de eficiência para lecionação num outro grupo, de acordo com a cientificidade de cada área disciplinar? Levará Crato esta requalificação ao ponto de permitir a troca de ciclo, possibilitando que docentes com experiência de 20, 25, 30 anos com uma faixa etária determinada, possam vir a lecionar diante jovens de idades totalmente diferenciadas, necessitando de recursos educativos e modalidades de ensino distintas? Que motivações e conhecimentos terão os próprios docentes para lecionarem disciplinas para as quais poderão vir a ser preparados em poucos meses? Quem avaliará posteriormente o impacto desta medida na qualidade de ensino e na formação dos nossos alunos? Terá andado o Ministério da Educação e Ciência, na mais recente reforma curricular, a aproximar denominações de determinadas disciplinas, para agora as poder entregar a professores com formações díspares mas que lecionam disciplinas com nomes similares? Estaremos a colocar em causa, a todo o custo, a qualidade de ensino dentro da sala de aula?
Quem pensa que este sistema de requalificação profissional vai apenas afetar a empregabilidade dos professores contratados (pois verão os seus lugares ocupados por docentes “de quadro” advindos de outros grupos disciplinares) muito se engana. Este mecanismo promoverá a perversidade laboral, transfigurará todo sistema de colocações tal como o conhecemos, pois qualquer indivíduo de carreira, de qualquer grupo de recrutamento, poder-se-á ver ultrapassado por um outro, advindo de outro grupo, e convertido em poucos meses de formação.
Portugal poderá estar mesmo a ser pioneiro na criação de um novo processo, Pós-Bolonha, onde serão “formados”, em poucos meses, indivíduos “aptos” a lecionarem disciplinas cujos conteúdos lhes eram estranhos. Indivíduos que deverão estar aptos para preparar jovens para um mundo altamente competitivo, um mundo em que se esperam formações de Excelência, assentes em princípios científicos sólidos. Estarão de facto, estes novos indivíduos, devidamente preparados para formar os nossos jovens para a incerteza do seu futuro, onde, a cada momento, cada competência (mesmo a inicialmente considerada menos relevante) poderá ter de ser (re)ativada ao iniciar um novo projeto de trabalho e ver-se tornada fulcral no desenvolvimento de novas funções?
Estará Nuno Crato a dar início à implosão do seu ministério, iniciando-a pela implosão da Excelência e do Rigor? Estará Crato, enquanto Ministro da Educação e Ciência, a, de uma só vez, implodir a Educação e a Ciência? Não … isso já seria demais … mesmo para esta coligação que já mostrou ser capaz de tudo …
César Israel Paulo
Presidente da Associação Nacional dos Professores Contratados
In Jornal Público, 08.06.2013